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Weill Cornell Graduate School of Medical Sciences, Manhattan - Contra as Heresias Santo Irineu Denúncia e refutação da falsa gnose INTRODUÇÃO "Existem cinco razões, que a nosso modo de ver, evidenciam não ser supérflua a estafante atividade de transcrever este livro. Primeira, porque é raríssimo, pois caído o silêncio sobre as heresias, destruídas em nossos dias com insólita violência, quase ninguém mais se anima a manuseá-lo. Segunda, que o autor é antigo, próximo aos tempos apostólicos e por isso digno de fé. Terceira, que tudo o que escreveu a propósito dos heréticos não recolheu só por ouvir dizer ou por fama, mas ouviu ensinar em grande parte pela viva voz de tais mestres e com os próprios olhos viu praticar, pois lhes era coevo, ou seja, contemporâneo e natural daqueles lugares. Quarta, acerca das heresias daquele tempo, nenhum outro discutiu com maior profundidade e clareza. Quinta, é necessário sobretudo restabelecer a ciência das armas da Igreja militante - descuidadas em tempos de paz - porque diminuindo os defensores a tirania vai se enfurecendo tanto mais agudamente quanto é livre em fazê-lo impunemente.” (Do prólogo às obras de santo Ireneu, composto por Floro de Lião pelo ano 860). A estrutura deste estudo de santo Ireneu tem, basicamente, duas partes: apresentação das teorias heréticas e a refutação delas pela doutrina cristã; serão combatidas as primeiras e fortificada a segunda; demonstradas as limitações e falsidades das primeiras para enfatizar o acesso e vivência do Deus verdadeiro, comprovação e sustentação da veracidade da segunda; salientar a falácia das primeiras e indicar a segunda como fonte de vida. Os cinco livros não são o resultado intencional do esquema original. O desenvolvimento da pesquisa de Ireneu exigiu-lhe a ampliação física dos estudos, apesar de no primeiro livro afirmar a intenção de inicialmente apresentar as heresias e depois refutá-las; mas já no terceiro livro o autor promete tratar alguns argumentos em livros posteriores. Parece que o plano inicial foi sendo modificado e ampliado à medida da necessidade, ainda que se tenha conservado a intenção primeira de duas partes (apresentar as heresias e depois os cânones da verdade). O conjunto da obra revela, pois, certa complexidade e freqüentes repetições - que em certo sentido tornam cansativa a leitura a um espírito cartesiano ou matemático; - tal fato também se prende à intermitência com que Ireneu escreveu seu estudo em meio às atividades episcopais. Todavia, Adversus haereses, como tradicionalmente é conhecida esta obra, é exposição convincente, simples e persuasiva da doutrina da Igreja, além de ser a única fonte atual para o conhecimento dos sistemas gnósticos e da teologia da Igreja dos Padres, do final do século segundo. O título e as diversas ênfases do texto dão a própria estrutura do livro: 1º. Exposição do sistema gnóstico e suas variações, "segundo princípios que por si só bastariam para refutá-los" (breve resumo da doutrina da Igreja - primeiro livro). 2º. Refutação dos falsos conhecimentos: 1. com argumentos racionais, apelando às regras da fé e de acordo com a Tradição (segundo livro), 2. com os ensinamentos dos apóstolos contidos na Escritura e na Tradição (terceiro livro), 3. com as palavras do Senhor (palavras claras e parábolas), contidas tanto no Antigo Testamento, quanto no Novo Testamento - pois as palavras escritas no Antigo Testamento são palavras de Cristo (quarto livro), 4. ainda com outras palavras do Senhor, cartas apostólicas, especialmente de são Paulo (doutrina da ressurreição da carne e recapitulação - quinto livro). O Adversus haereses foi escrito depois do ano 180, enquanto os três primeiros livros o foram durante o pontificado do papa Eleutério (175-189) e os dois outros, durante o do papa Vítor (189-198). O texto original era em grego e se perdeu; todavia, dele foram encontradas citações nas obras de Hipólito, Eusébio de Cesaréia e, principalmente, de Epifânio (que em sua obra Panarion reproduz quase todo o primeiro livro), ou em alguns papiros. E Ter-Minassiantz descobriu e publicou uma tradução literal em armênio do quarto, e quinto livros. Da tradução siríaca foram encontrados 33 fragmentos. A tradução latina - segundo autores como H Jordan e A Souter - teria sido feita na África Setentrional, entre 370 e 420; H Koch afirma ter sido já utilizada tal tradução por Cipriano, antes pois de 250; W Sanday diz que ela já existiria pelo ano 200. É certo que santo Agostinho conheceu o texto latino, tendo-o utilizado à farta; também o conheceu Tertuliano. Este longo e apologético estudo é a mais antiga discussão sobre as heresias de que se tem memória. Ele teve aceitação muito grande e sucesso tal que conseguiu estabelecer bases mortais para o gnosticismo e critérios para o fazer teológico. Com a perda de influência dos santos Padres, a partir do século quarto, santo Ireneu foi caindo também no esquecimento; a Idade Média o ignorou, somente no século décimo sexto é que foi redescoberto através de uma edição parcial de Adversus haereses, em 1526, organizada por Erasmo - que chamava com carinho o seu autor de "meu Ireneu". O texto latino antigo foi retraduzido e recebeu maior elegância. Em 1710, o beneditino Massuet introduziu os subtítulos e a divisão em números atualmente em uso, uma vez que o autor apenas subdividiu sua obra em cinco livros. O desenvolvimento e a própria exposição do livro não mantêm evolução constante; muitas vezes é prolixo, cheio de digressões e repetições - o que, por um lado, o torna um pouco cansativo, e por outro cheio de paixão apostólica. Santo Ireneu não foi especulativo, nem erudito, nem homem de ciências; era homem de fé e da Igreja, bispo e, em sentido largo, "homem apostólico", isto é: que viveu no e do ambiente apostólico. Caráter prático é o objetivo desta obra: defender o "depósito da fé" contra os heréticos (sobretudo gnósticos), e expor com clareza aos fiéis o "cânon imutável da verdade". Nem preocupação científica, nem artística, mas como ele mesmo dizia: "Tu não procurarás em nós - que vivemos entre os celtas, e que usamos costumeiramente a língua bárbara deles - nem a arte da palavra - que nunca aprendemos, - nem o vigor do estilo - que não procuramos; - mas o que, de forma simples, clara e pura, foi escrito para ti com amor, tu com amor o acolherás, e desenvolverás por ti mesmo, pois és um dos mais capazes entre nós - a quem te demos, por assim dizer, o gérmen e os princípios". 1º. Outras obras de Ireneu Além de Contra as heresias, outra obra de Ireneu conservada completa - e que em certo sentido - é uma síntese didática de sua obra maior, intitulada Epídeixis toû apostolokoû kerygmatos (Demonstração ou exposição da pregação apostólica). Esta Demonstração, também conhecida como "Antigo catecismo para adultos", e embora mencionada por Eusébio, fora desconhecida por muito tempo. Somente em 1904 foi descoberta uma versão armênia, pelo arquimandrita (e depois bispo) do Azerbaijão Kaparet Ter-Mekerttschian; a primeira publicação é de 1907, acompanhada inclusive de tradução alemã com notas e divisão em 100 pequenos capítulos - tornada clássica pelo famoso teólogo Adolph Harnack. Demonstração tem duas grandes partes e uma conclusão: do capítulo 1, ao 41 trata do conteúdo da fé, do 42 ao 94 a demonstração propriamente dita e os capítulos 95-100 compreendem a conclusão. Enquanto no Adversus haereses a ênfase recai sobre a doutrina de Deus criador (portanto, com caráter teológico), em Demonstração o enfoque se faz desde a economia da salvação (evidenciando o caráter cristológico e soteriológico). Mas este pequeno livro também trata das três Pessoas divinas, da criação e queda do homem, da encarnação e redenção, da conduta de Deus com o homem desde "Adão" até Cristo; a segunda parte, usando sobretudo as profecias do AT, procura demonstrar sua concordância com a revelação cristã. E, na conclusão, o autor exorta seus leitores à vida de fidelidade à fé, pondo-se cheio de atenção diante das heresias, "se realmente queremos agradar a Deus e obter a salvação" (capítulo 100). Dedicada ao amigo Marcião (personagem desconhecida), esta obra é excelente catecismo batismal, com fórmulas simples, mas claras e densas, e ao mesmo tempo cheia de entusiasmo e vibração. Têm-se referências de várias outras obras do bispo de Lião, apesar de se conservarem apenas fragmentos de umas, os títulos de outras, enquanto outras ainda são tidas como apócrifas. 2º. A história de Ireneu Poucas, mas significativas, são as informações que se possuem sobre santo Ireneu. No décimo sétimo ano do imperador romano Antonino Vero (177 depois de Cristo), inúmeros cristãos passaram a ser aprisionados em Lião e Viena, na Gália, em decorrência de perseguição religiosa. Ao mesmo tempo na Frígia, surgiam os montanistas (seguidores de Montano), pregando iminente retorno de Cristo; eles logo passaram a gozar de grande fama por causa das "maravilhas" de seus múltiplos carismas e falsas profecias. Contudo, tais profetas passaram a inquietar a Igreja espalhada por todo o império. Os cristãos prisioneiros em Lião, dissentindo de tais profetas, escreveram cartas aos irmãos da Ásia e da Frígia, e a Eleutério, bispo de Roma, visando especificamente pacificar a Igreja. Estes mártires recomendaram Ireneu ao bispo de Roma e o elogiaram dizendo: "Novamente te desejamos toda felicidade em Deus e que ela permaneça sempre contigo, pai Eleutério. Demos esta missão a Ireneu, irmão nosso e companheiro, de levar-te estas cartas; digna-te recebê-lo como zeloso observador do Testamento de Cristo. Se pensássemos que a posição de alguém é a que o torna justo, imediatamente queremos te apresentá-lo como sacerdote da Igreja, como de fato ele o é". Tal missão é o único fato datável de sua vida. Todos os outros são os mais possíveis. Costuma-se localizar seu nascimento em torno de 140, em Esmirna, na Ásia (atual Turquia). Ainda criança, em Esmirna, freqüentou o velho bispo Policarpo (martirizado em 156), que por sua vez fora discípulo do apóstolo João - o que confere a Ireneu o título de "vir apostolicus". Na Ásia Menor, Ireneu conheceu são Policarpo. "Eu te poderia dizer - escreve ele a Florino, ex-condiscípulo de Policarpo, que apostatara tornando-se valentiniano - qual o lugar onde o beato Policarpo costumava sentar-se para falar-nos, e como entrava nos argumentos; que tipo de vida tinha, qual o aspecto de sua pessoa, os discursos que fazia ao povo, como nos discorria sobre os colóquios íntimos que tinha com João e com os outros que haviam visto o Senhor, seus milagres e sua doutrina. Tudo isto Policarpo aprendeu com testemunhas oculares do Verbo da Vida e o anunciava em plena harmonia com as Sagradas Escrituras". Tendo voltado de Roma, foi eleito pelo povo bispo de Lião, sucedendo a são Potino, que morrera por maus-tratos na prisão aos 90 anos de idade. Entre os anos 180 e 198 escreveu suas duas obras, atualmente conhecidas. Interveio decisivamente em diversas controvérsias eclesiásticas, cuja mais célebre foi a grande polêmica sobre a data da Páscoa, que opôs as Igrejas da Ásia Menor às outras Igrejas do Ocidente, lideradas pelo papa Vítor (189-199). Diziam os bispos da Ásia - sob a liderança de Policrates, de Éfeso - conservar a data hebraica da festa da Páscoa, adotada por João; para as Igrejas ocidentais e algumas do Oriente era outra a data celebrada. Em determinado momento o papa avocou a si a decisão, ameaçando com a excomunhão os que não o seguissem: prenunciava-se assim calorosa cisão na Igreja. Ireneu escreveu ao papa e aos bispos da Ásia, em nome das Igrejas da Gá-lia; exortava respeitosamente o papa a prudência maior e a não tomar medidas radicais. Certamente havia inconvenientes quanto aos costumes inculturados sobre a questão (duração do jejum, tradições quaresmais e pascais, e a própria data), certamente o bispo de Roma tinha direito de pronunciar-se e indicar o caminho da obediência. Entretanto, Ireneu convidava-o a não romper a unidade cristã por esta questão disciplinar e secundária, afinal eram ambas tradições vindas dos apóstolos em contextos diversos. Pacificados os ânimos, Ireneu - segundo o dizer de Eusébio - fez jus ao significado etimológico de seu nome, cujo radical (irene) significa "paz". Segundo Gregório de Tours, na clássica História dos Francos, Ireneu, como bispo, conseguiu reanimar sua Igreja saída da perseguição, tornando-a foco missionário para toda a Gália. Todavia, seu mérito histórico maior foi ter identificado, estudado e refutado radicalmente o gnosticismo, e com isto estabeceram-se bases e princípios gerais para combater todas as heresias na Igreja. Nada se sabe - com certeza - a respeito de sua morte. Uma tradição tardia - que remonta a são Jerônimo e ao Pseudo-Justino - afirma ter sido martirizado por heréticos, depois do ano 200, com cerca de 70 anos de idade; outra tradição afirma ter morrido num massacre geral de cristãos lionenses sob Sétimo Severo (pelo ano 202?). A Igreja o venera como mártir, celebrando-o a 28 de junho. 3º. Algumas notas - Este asiático, expatriado na Gália, conheceu Roma. Foi ele que uniu a tradição da Ásia Menor à tradição romana, que transplantou para Lião. E aí adquire valor excepcional seu testemunho situado na confluência do Oriente e do Ocidente. - É impressionante a cultura bíblica de Ireneu - que usava a versão dos Setenta - citando praticamente todos os livros bíblicos, com exceção apenas de Ester, Crônicas, Eclesiastes, Cântico dos cânticos, Jó, Abdias e Macabeus (do Antigo Testamento), e Filemon e 2Jo (do Novo Testamento). - Apesar de não ser sua especificidade argumentar com textos neotestamentários, cita muito particularmente os Atos dos Apóstolos e a carta de Paulo aos Romanos (da qual conserva constantemente também o espírito). Usa alguns textos apócrifos, além de citar alguns textos atribuídos por ele a Jeremias e a Davi, não encontrados no cânon veterotestamentário. - Na formação teológica de santo Ireneu estão presentes, não apenas como citação, mas como influência teológica, contributos da tradição apostólica, especialmente - através de são Policarpo - de são João e da escola joanina - sobretudo Pápias, - também Clemente Romano, Barnabé, Hermas e o autor da Didaqué. O bispo de Lião é ainda devedor a Teófilo de Antioquia, Melitão de Sardes, Aristão de Pella; conhecia bem Taciano e, provavelmente, Clemente Alexandrino jovem e Atenágoras. - É inegável sua preparação clássica, podemos citar Homero e Hesíodo, Píndaro e Estesicoro; conhecia as fábulas de Esopo e os dramas de Édipo. Nas teorias gnósticas encontrou paralelos com a doutrina de Tales, Anaximandro, Anaxágoras, mas sobretudo de Platão e Aristóteles. Leu profundamente Justino. Ao estudar os gnósticos em seus textos originais, aprofundou-se em Valentim, Ptolomeu (valentiniano), Marcos, Marcião, Simão, o Mago, e outros menores como Menandro, Saturnino, Basílides, Carpocrates, Cerinto, os ebionitas, os nicolaítas, Cerdão, Taciano, os ofitas, os setitas, os cainitas. - Apesar de ser marco e ponte entre o cristianismo das origens e o que se desenvolve a partir do século terceiro (com crescente peso político e organização hierárquica), Ireneu foi aos poucos sendo esquecido, a ponto de o bispo de Lião, Etério, ter escrito ao papa Gregório Magno (590-604) para obter informações sobre a vida e obras de seu ilustre predecessor - do qual conhecia por ouvir dizer, provavelmente, só o nome e a fama ou uma série de lendas inaceitáveis. - Ignorado na Idade Média, Ireneu foi redescoberto no século décimo sexto, quando Erasmo publicou uma edição com os textos principais de Adversus haereses (1526). Demonstração só foi encontrada em 1904, pelo arquimandrita Ter-Mekerttschian. - Homem de tradição apostólica, Ireneu tornou-se o primeiro teólogo como guardião fiel dos "cânones imutáveis da verdade". Sem especulações, nem inovações, ele - mestre da tradição - legou ensino essencialmente tradicional, cujo caráter permanece na teologia ocidental; ao contrário, por exemplo, do legado de Orígenes (também excelente teólogo, bem mais especulativo e criativo e autor de grandioso estudo científico, apesar de algumas vezes prematuro e nem sempre seguro), ou de Tertuliano (de quem procede especialmente a linguagem técnica da teologia). 4º. Ireneu, teólogo da história da salvação O primeiro e mais completo "corpo de doutrina" da Igreja do século, é o ireneano, cujo objetivo maior era defender o "depósito da fé" contra os heréticos e expor com clareza aos fiéis os cânones da "verdade segura". Foi teólogo da ortodoxia, pois suas obras - por serem de ocasião - objetivaram defender a originalidade cristã diante das várias seitas gnósticas e ao mesmo tempo afirmá-la. É, todavia, o primeiro grande teólogo dogmático dentre os Padres, mesmo sem grandes especulações, descobertas teológicas e - ou ensaios inovadores. A sistematização da doutrina cristã encontrou nele mão segura, sobretudo, quando muitos cristãos do final do século segundo eram atraídos por grupos heterodoxos (os mais diversos gnósticos: ebionitas, valentinianos, marcionitas etc) que não só abandonavam as fronteiras possíveis da fé, mas induziam a movimentos sincretistas e míticos, os quais reduziam a fé ao nível dos mitos das religiões po-pulares. Ensinar a doutrina da Igreja, transmitida sem descontinuidade pelos apóstolos e seus sucessores, de modo preciso e fiel, combatendo os erros todos, era o empenho ireneano, visando fortificar a Igreja de Cristo. "Concede, ó Senhor, a todos os que lerão este livro reconhecer que tu és o Único Deus; faz com que todos sejam confirmados na fé e se afastem de toda doutrina herética, atéia e ímpia". Suas duas obras conhecidas têm o mesmo tema (as verdades da fé), porém em perspectivas diversas. Contra as heresias é essencialmente teológica; enquanto Demonstração é sobretudo cristológica e soteriológica. "Na sua luta contra a heresia, Ireneu expõe os princípios de sã interpretação das Escrituras: a regra da fé da Igreja para quem quer permanecer estritamente fiel, no respeito à Tradição. Apresenta a justo título resumo da Escritura de onde ela provém. Em face ao gnosticismo herético, Ireneu rejeita todo esoterismo: a fé da Igreja não é por nada gnose reservada a elite de iniciados; pertence a todos os fiéis, desde os simples e pequenos. E mais grave ainda: os heréticos recusam a revelação divina e, portanto, a salvação que nos advém pela encarnação que recapitula a humanidade, pondo em comunhão com Deus". No espírito paulino, Ireneu afirma dois grandes centros: o Criador e a criatura (Deus e o homem). Cria antropocentrismo cuja força é o teocentrismo, sem nenhum dualismo. Tudo provém da bondade criadora de Deus: o cosmos todo e toda a matéria, particularmente a carne do homem, que é modelada pelas duas mãos de Deus (o Verbo e o Espírito). Criado e salvo por amor, o homem jamais será abandonado por Deus - seu criador e modelador - que o fez para elevá-lo à sua visão (ver a Deus é assemelhar-se a ele). Toda a criação culmina na encarnação do Verbo - que por sua vez é indissociável e redentoramente inseparável da paixão e ressurreição de Jesus, o Cristo de Deus. O Verbo se encarnou para revelar ao homem quem é o próprio homem; este mistério da encarnação é realidade para além do pecado. A encarnação deu-se para elevar o homem à sua plenitude, isto é, à sua salvação. E ela ocorreu, quando, na "plenitude do tempo", a humanidade estava apta para receber aquele que era o primeiro Homem, mesmo se manifestando na carne adamítica tão posteriormente. A história da salvação - muito maior do que a da remissão dos pecados - é o processo da economia de Deus, realizada pela recapitulação de todas as coisas em Cristo; é ela espaço da educação progressiva do homem. Dado que este não foi criado nem perfeito, nem imperfeito - mas perfectível - deve ir-se habituando progressivamente à vida do Espírito, que vive nele até sua humanização completa - quando então estará assemelhado a Deus. 5º. Idéias centrais de Ireneu Três são as idéias básicas ou temas maiores de Ireneu: a unidade e unicidade de Deus, a economia realizada pela recapitulação e a educação progressiva do homem. 1. Unidade e unicidade de Deus Revelado de modo verdadeiro e autêntico pela Escritura, não pode ser Deus confundido com o Demiurgo e - ou Éões criadores; é ele o único criador do mundo, o que permanece sempre o mesmo e sem limites. "A Trindade faz parte do caráter inefável de Deus e a geração do Verbo também é inefável; mesmo assim Deus é cognoscível e este conhecimento é real e não ofusca sua inefabilidade. É cognoscível no Filho e no Espírito Santo, com os quais criou o mundo; é cognoscível pelo amor, na história e na economia da salvação apontada na Escritura". Deus é o criador de todas as coisas e o Pai do Logos - que por sua vez preexistia à criação do mundo; o Espírito Santo - a outra mão criadora de Deus - plenificou os profetas com sua inspiração, foi habituando-se em Jesus (a quem servia) a morar outra vez entre os homens. É o Espírito quem, no processo de amadurecimento do homem, prepara-o para ver a Deus. A "economia da salvação", manifestada sobretudo na Escritura, particularmente no AT, é excelente e fundamental ensinamento sobre as três Pessoas do Deus Único, segundo Ireneu - que não se preocupou com a relação trinitária em si. A criação é ação única e conjunta de Deus, por suas mãos criadoras. O Pai é criador e único. Contrariamente aos gnósticos, Ireneu reafirma que o Deus Transcendente não é senão o mesmo e único criador e que se foi revelando na história inclusive mediante seu Verbo e Senhor nosso Jesus Cristo - feito homem para unir o homem a Deus. Deus conhecido, ab initio pelo Verbo, torna-se no Verbo o Deus humanado e aí se torna a possibilidade definitiva de o homem ver Deus: por meio do Homem-Deus, o homem verá (conhecerá e participará da vida de) Deus. É neste sentido muito claro para Ireneu que a própria criação é já fato salvífico. Ver Deus (princípio caro ao Santo) é a vida do homem: para isto foi ele criado. 2. A economia realizada pela recapitulação A economia de Deus - para Ireneu - designa seu projeto relativo ao homem (e ao cosmos): é plano de amor que se efetiva como história de salvação. História esta que culmina na encarnação - redenção. O homem modelado à imagem arquetípica do Homem Original (mas apenas revelado quando de sua encarnação adamítica) há de se assemelhar a Deus definitivamente na visão de Deus. Nesta história terrena, o assemelhamento processual é obra do espírito que inspira o homem a optar pelo bem: porém, respeitando suas contra-reações, como ocorreu com o primeiro "adão" - o que se opôs a Deus ao acatar, imaturamente, o pretexto do demônio sobre a imortalidade humana; essa prevaricação o levou à morte. O primeiro "adão" era, contudo, pequeno porque criança; devia crescer para chegar ao estado adulto - e naquele estado foi enganado pelo Sedutor (Demonstração, 12). O segundo "adão", isto é, o Filho Eterno segundo o qual "adão" fora criado, mas que se manifestou na ordem do tempo só posteriormente - ao encarnar-se houve por bem manifestar o homem verdadeiro ao homem adamítico e recuperá-lo ao caminho de Deus. Neste segundo "adão" - o Cristo de Deus - o Espírito voltou a habituar-se aos homens, pois estava ausente do homem pecador. O Verbo encarnado revelou e visibilizou o Pai ao homem e por meio de seu Espírito a humanidade o encontrou outra vez. É ele o único capaz de reunir todas as coisas, isto é: de recapitular tudo. Por um lado, o Verbo humanado retoma em si toda a humanidade e até todo o cosmos criado; e por outro, enquanto o "novissimus" Adão retoma a obra do "primeiro" Adão, restaurando-a e renovando-a: por sua obediência ao Pai destrói a obediência ao Sedutor. Ele se faz adamítico (homem encarnado) acolhendo e fazendo nova a antiga obra modelada a sua imagem: nele a humanidade encontra sua originalidade, sua verdadeira imagem. Porém, segundo Ireneu, a encarnação é a condição necessária para que a obra da salvação possa se realizar. 3. A educação progressiva do homem O homem é ser em desenvolvimento em vista de sua maturidade. Este processo passa do ser criado à imagem de Deus para o assemelhar-se a Deus (capacidade de participar da vida divina, vendo a Deus), dado que o homem nunca será Deus: este é o criador, aquele é a criatura. Criado em vista de seu desenvolvimento, o homem é feito "receptáculo dos dons de Deus", inclusive participando da imortalidade e da incorruptibilidade de Deus - pois para isto o Espírito de Deus atua na carne humana, pneumatificando-a progressivamente já nesta história. O tempo e a história são condições para o amadurecimento. Não criado perfeito nem imperfeito, o homem se aperfeiçoa à medida que se desenvolve e cresce. Enquanto Deus é sempre o mesmo, o homem que se encontra em Deus (pois é habitado pelo Espírito) se transforma crescendo em direção a Deus. "Esta é a ordem, o rítmo, o movimento pelo qual o homem criado e modelado adquire a imagem e a semelhança do Deus incriado: o Pai decide e ordena, o Filho executa e forma, o Espírito nutre e aumenta, o homem paulatinamente progride e se eleva à perfeição; isto é, aproxima-se do Incriado, do Perfeito por não ser criado, e este é Deus. Era necessário que primeiramente o homem fosse criado, depois crescesse, depois de crescido se fortalecesse, depois de fortalecido, se multiplicasse, depois de multiplicado se consolidasse, depois de consolidado fosse glorificado, depois de glorificado visse seu Senhor: pois é Deus que deve ser visto um dia, e a visão de Deus causa a incorruptibilidade e a incorruptibilidade produz o estar junto de Deus". Nesta processualidade há habituação do homem a Deus (educação) e de Deus ao homem. Tal processo se plenifica através do Verbo que se faz homem, habitando entre os homens e habituando-os a receber Deus, por meio do Espírito. No Verbo, Deus recapitulou a carne humana, livrando-a do pecado e da morte para vivificar o homem, isto é, para restituir-lhe a vida que, definitivamente, é a visão de Deus. 4. A dogmática geral de Ireneu O pensamento ireneano é muito rico, sendo também fonte quase inesgotável para a teologia. Ao lado destes três temas maiores, perfilam-se, contudo, todos os outros temas da teologia e da fé católicas. Em torno de sua teoria da recapitulação de tudo em Cristo constrói a Mariologia (enfatizando a maternidade virginal e universal de Maria, ressaltando sua obediência contraposta à desobediência da "mãe dos viventes") e a Eclesiologia (Cristo é a cabeça da Igreja, para perpetuar através dela sua obra de renovação até o fim do mundo. Na Igreja continua vivo o ensinamento dos apóstolos sem nenhuma alteração - garantido isto pela sucessão ininterrupta dos bispos na Igreja; entre estas cabe certa primazia à igreja de Roma, pois fora fundada por dois apóstolos conjuntamente). A presença real do corpo e sangue de Cristo Senhor na Eucaristia é realidade tão profunda que também garante a ressurreição aos corpos humanos. A Tradição ocupa na teologia do bispo de Lião lugar mais alto do que a própria Escritura, porque os autores sacros antes pregaram e só depois escreveram parte do que ensinaram (convém lembrar que Ireneu é o último "vir apostolicus"). A Escritura é ditada pelo Verbo de Deus e seu Espírito Santo, por isso é perfeita. A escatologia ireneana não pode ser compreendida fora de sua teoria da recapitulação: a força de Deus assume a fraqueza da carne e a ressuscitará; a ressurreição de nossa carne humana já foi antecipada em Cristo, nosso mediador perfeito. Este mesmo Cristo - a quem se atribui muitos nomes, pois é um só e idêntico e não como a multidão dos Éões, os quais encontram nas diferentes funções as razões de suas individualidades - vence e triunfa sobre o Anticristo e prepara os homens gradualmente, por meio do Espírito, para a visão de Deus e a participação na vida divina, em perfeição. Ireneu era otimista; realisticamente otimista. Conhece o efeito do pecado e suas conseqüências, na carne e na história; mas sua confiança no plano do Pai o afasta de todo pessimismo (inclusive aqui pode valer na atualidade sua teologia, pois perpassa em certas camadas da Igreja contemporânea certo pessimismo a respeito do homem, fundamentado em agostinianismo que se pretende realista. Baste, para perceber tal fenômeno, a força do "amartio centrismo" tão presente na atual "restauração conciliar"). A obra de Ireneu ocupa hoje lugar especial na história do pensamento cristão, não apenas por seu caráter de síntese completa, mas também pela perspectiva e globalidade dadas à história da salvação. Há no seu pensamento vigor dialético, profundo sentido escriturístico e bom senso sereno e profundo (às vezes entremeado de humor). Estabeleceu princípios para sadia interpretação das Escrituras; frente ao gnosticismo recusa todo apelo ao esoterismo e a doutrinas secretas e - ou reservadas a iniciados; reafirma a transparência da fé cristã, que inclusive os pobres e simples podem entendê-la e vivenciá-la de modo pertinente. Os dois centros de sua teologia: Deus criador e o homem criatura evidenciam não um confronto, mas a comunhão no amor. Deus faz e o homem é feito para que participe e viva no e do amor divino, pois é ele imagem divina (o protótipo é o Verbo) a ser assemelhado a Deus, torna-se vivo, perfeito e capaz de compreender o Deus perfeito. O homem vivo será a glória de Deus, e a vida do homem é a visão de Deus. 6º. Outras considerações Em boa hora este estudo de santo Ireneu é editado também em português, pois dá oportunidade a nossos teólogos e historiadores do pensamento e das religiões abrirem perspectivas científicas e teológicas para a aná-lise de culturas e idéias religiosas contemporâneas. Ao estímulo deste Padre da Igreja - como também de outros autores (penso neste momento em santo Agostinho, com sua "Cidade de Deus") - é hora de aprofundamento sério e cristão sobre as hodiernas e crescentes questões de misticismo e esoterismo que vem ocupando inúmeros espaços vazios da cultura ocidental e religiosa, também a cristã. Nos ambientes cristãos de hoje, muitos olhos estão demais fixados em seu umbigo; a hegemonia cristã se pretende como resposta exaustiva e quer manter tal posição ante as novas formas de culturas gnósticas, mediúnicas e espiritualistas. Diante de questões de seu tempo, Ireneu fez a apologia da fé cristã com os melhores objetivos. Os tempos mudaram e hoje são os cristãos intelectuais e pastores convidados a - com novos métodos e novo ar-dor - entrar em diálogo com as religiões e com o mundo, para conhecer seu cunho e fazer transluzir aí, de modo claro e límpido, coerente e simples, a verdade de Deus, através de seu Cristo e de sua Sabedoria, em que, garantindo a grandeza do homem, se possa evidenciar o plano salvador, de modo a beneficiar todos os homens na grandeza maior que a Igreja de Jesus pode e deve apresentar. Voltar aos santos Padres, e em particular a santo Ireneu, é vontade corajosa de encontrar o homem - o homem de Deus através da universalidade da economia do Pai, na solidariedade do Verbo e no desenvolvimento humano sustentado pelo Espírito. Ireneu - teólogo datável - foi capaz de superar-se a si mesmo e ao seu tempo, abrir caminhos teológicos até para os nossos tempos hodiernos (não só para defender o primado da Igreja de Roma, a tradição e a ortodoxia!). O homem contemporâneo sente a força da história (vs. a do além), valoriza sua carne humana como algo bom e nobre (vs. os espiritualismos), enfatiza a vida e a luta por ela (vs. a força do pecado), a processualidade do homem (vs. a miraculosidade) etc. Dicotomias várias (tipo espírito - matéria), advindas ao cristianismo por sua inculturação no helenismo, portanto anteriores a santo Ireneu, têm sido culpabilizadas pela existência real de homens de 1ª, 2ª e 3ª categorias sociais (dentre os últimos, quase todos os de língua portuguesa). A totalidade do homem - que ocorre em sua carne, também feita carne de Deus - será a realidade a viver em Deus e da plenitude de Deus, ensina santo Ireneu..

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